sexta-feira, 31 de agosto de 2018

MATRIZ DE SÃO GONÇALO DA SERRA DOS COCOS


Um pouco do que o tempo nos legou

Imagem 1: Capela de São Gonçalo da Serra dos Cocos, data desconhecida (Blog do Prof. Francisco Melo - Ipu)

Os antecedentes e o Curato do Acaraú

Encravada na Serra dos Cocos, Serra Grande ou Serra da Ibiapaba está a velha Capela de São Gonçalo do Amarante. Quem teve a oportunidade de vislumbrá-la ou conhecê-la mais de perto se sente tocado por um misto de curiosidade, expectativa e surpresa. Mas como tudo começou? Certamente não diremos muito ou o quanto desejávamos, contudo, registraremos um pouco do que se sabe.

Segundo D. José Tupinambá da Frota em seu livro História de Sobral, em 1681 por carta régia de 07 de março foi criada a Junta das Missões de Pernambuco com a finalidade de reger a organização da propagação da fé católica no território daquela capitania. Esta junta era composta pelo Governador da Capitania, o Bispo diocesano, o Ouvidor Geral e o Provedor da Fazenda e era subordinada à Junta das Missões existente em Portugal. 

Pois bem, em 1712 veio como coadjuntor do Pe. João de Matos Serra, o seu sobrinho Pe. João de Matos Monteiro (Pe. Matinhos). O tio do Pe. Matinhos era Vigário do Ceará, uma freguesia vastíssima que correspondia ao que viria a ser a Capitania do Ceará. Graças à sua boa aceitação, os moradores da região do Rio Acaraú pediram ao Bispado de Pernambuco que o Pe. Matinhos ficasse como cura e ali se fosse criado um curato, o que equivalia ao que chamamos de paróquia em nossos dias. Entre idas e vindas à Corte (de onde era natural) e à Pernambuco, Pe. Matinhos só foi oficialmente nomeado cura do Acaraú em 28 de março de 1722. Mesmo assim, geralmente se considera o ano de 1712 como o ano de criação do Curato da Ribeira do Acaraú, sob os auspícios da Junta das Missões de Pernambuco.

Neste tempo, havia na atual Viçosa do Ceará um grande aldeamento indígena dirigido pelos padres da Companhia de Jesus que provinham do Maranhão e tendiam a estender seu trabalho por toda a Serra. Nasceu daí uma questão entre os padres jesuítas e o Pe. Matinhos. Este último não aceitava que a missão jesuíta se expandisse naquele território que ele considerava de domínio do Curato do Acaraú. Resultado é que por volta de 1726 o Pe. Matinhos, estando na Corte, foi proibido de voltar ao Brasil e lá ficando veio a falecer em 1744.

Sabe-se que o Capitão Mór José de Araújo Chaves era proprietário de uma faixa de terra que lhe foi concedida em sesmaria no ano de 1722. Esta terra corresponde em boa parte ao atual município de Ipueiras. No mesmo ano, José de Araújo Chaves encontra-se com Frei José da Madre de Deus, carmelita, com a finalidade de encaminhar a construção de duas capelas, uma na serra e outra no sertão. Os padroeiros são definidos: Nossa Senhora da Conceição no sertão, em homenagem à padroeira de Portugal, e São Gonçalo do Amarante na serra, em homenagem ao padroeiro do Conselho de Amarante de onde provinha a família do doador. É a capela da serra que teve prioridade na construção e posteriormente foi a Igreja Matriz de uma freguesia. Lembremos ainda que José de Araújo Chaves é o pai do famoso Manoel Martins Chaves, grande figura da época colonial no Ceará e proprietário da Fazenda Ipueiras.

Nesta época, graças a imensa extensão do bispado, era costume que o bispo encarregasse um padre chamado de Visitador para percorrer os curatos e freguesias atendendo as demandas dos sacerdotes, conferindo os livros de registros, empossando ou transferindo os vigários e coibindo práticas que fossem consideradas erradas, tudo isto com a permissão e conivência do bispo diocesano que depois era notificado por meio de relatórios e cartas.

A divisão do Curato e a criação da Freguesia

Imagem 2: Documento sobre a Freguesia de São Gonçalo, data desconhecida (Blog do Prof. Francisco Melo - Ipu)

Em 30 de agosto de 1757, D. Francisco Xavier Aranha, 8° Bispo de Pernambuco, dividiu o Curato do Acaraú em quatro freguesias: a de Nossa Senhora da Conceição (Caiçara, atual Sobral), a de São Gonçalo da Serra dos Cocos (Matriz de São Gonçalo, Ipueiras), a de Amontada e a de Granja. Era uma alternativa para barrar o possível avanço dos jesuítas na Serra, pois agora havendo uma freguesia na região, ali habitaria um sacerdote jurisdicionado ao bispado de Pernambuco. Em 1759, por ordem do Marquês de Pombal os jesuítas são expulsos do Brasil e qualquer problemática relacionada a eles no sentido abordado é extinta.

A Freguesia de São Gonçalo da Serra dos Cocos tinha sua Matriz interina na antiga Capela de São Gonçalo do Amarante. Havia três capelas subordinadas a ela, com as respectivas distâncias da Matriz: Nossa Senhora da Expectação e São Sebastião - Ipu (10 léguas), Nossa Senhora da Conceição - Ipueiras (4 léguas), Nossa Senhora dos Prazeres - Guaraciaba do Norte (14 léguas). Seu território era imenso. Compreendia as atuais cidades de Ipueiras, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipu, Poranga, Nova Russas, Ararendá, Tamboril e Hidrolândia totalizando uma extensão de quarenta léguas.

Nos 126 anos de duração da Freguesia de São Gonçalo da Serra dos Cocos atuaram 14 padres. Foram eles:

1º. Pe. Antonio Tomaz Serra (1758-1761)
Faleceu aos 76 anos de idade em 13 de agosto de 1787 e foi sepultado na Matriz de Sobral.
2º. Pe. Antonio Salgueiro (1761-1765)
3º. Pe. Manoel de Gôvea Souza (1765-1772)
4º. Pe. Francisco Vaz Leite (até 1774)
Faleceu aos 56 anos de idade em 04 de setembro de 1775 e foi sepultado na Matriz de Sobral.
5º. Pe. João Caldas Oliveira Campos (até 1776)
6º. Pe. João Gomes Chamôu (tomou posse em 03/05/1783)
7º. Pe. Joaquim da Costa Mendonça (tomou posse em 06/02/1785)
Faleceu aos 40 anos de idade em 13 de janeiro de 1798 e foi sepultado na Matriz de Sobral.
8º. Pe. Antonio José Honorato Barros (1795-1801)
9º. Pe. Manoel Ribeiro Bessa de Holanda Cavalcante (até 1803)
Nasceu em 1767. Faleceu em Fortaleza em 16 de abril de 1839 e foi sepultado na Igreja do Rosário.
10º. Pe. Miguel Francisco de Oliveira (até 1809)
11º. Pe. Manoel Pacheco Pimentel (até 1840)
Faleceu em Fortaleza a 07 de outubro de 1840 e foi sepultado na Igreja do Rosário.
12º. Pe. José Gomes Ferreira Torres (até 1842)
13º. Pe. Francisco Correia de Carvalho e Silva (tomou posse em 10/06/1842 até 13/06/1881 quando faleceu)
Nasceu em Aracati em 10 de dezembro de 1814 e foi ordenado sacerdote em 21 de dezembro de 1841.
14º. Pe. João de Souza Castro (13/11/1881-27/10/1883)
Nasceu em Sobral em 27 de janeiro de 1847, foi ordenado em 30 de novembro de 1872. Faleceu em Ipu aos 11 de junho de 1893 e foi sepultado na Igrejinha.

Imagem 3: Pe. Correia, data desconhecida (Blog do Prof. Francisco Melo - Ipu)


Célebres missionários e o fim da Freguesia

Cabe também registrar que no território da Freguesia de São Gonçalo missionaram nomes famosos como o Pe. José Antonio Pereira Ibiapina, o grande missionário do Nordeste e apóstolo da caridade, nos anos 1800. Há indícios de que Antonio Conselheiro tenha ouvido uma pregação sua no Ipu; Frei Vidal de Frescarolo, italiano, conhecido por Frei Vidal da Penha porque provinha do Convento da Penha, no Recife. Suas andanças se deram nesta região entre 1785 e 1800 e há ainda quem guarde na memória muitas das suas famosas profecias; Pe. Gonçalo Ignácio de Loyola Albuquerque e Mello Mororó, conhecido como Pe. Mororó, esteve algumas vezes celebrando Missas, Batismos e Casamentos no tempo do Pe. Manoel Pacheco Pimentel. O Pe. Mororó foi condenado à execução por sua participação na Confederação do Equador, tendo sido fuzilado em Fortaleza em 30 de abril de 1825.

Antes de ser extinta a freguesia, por volta de 1845 o Pe. Correia foi residir no Ipu argumentando as condições ruins em que se encontrava a Igreja Matriz de São Gonçalo e lá faleceu. O último vigário, Pe. João de Souza Castro (em alguns lugares é mencionado como João José de Castro) não chegou a residir na Serra mas somente no Ipu tendo sido posteriormente o seu primeiro vigário. A freguesia foi extinta em 27 de outubro de 1883 graças aos auspícios do Deputado Provincial Pe. Francisco da Mota de Souza Angelim e deu lugar às atuais Paróquias de São Sebastião (Ipu) e Nossa Senhora da Conceição (Ipueiras). Quanto aos livros de registros da dita freguesia, sabe-se informalmente que despareceram quando da transferência da mesma para o Ipu em data desconhecida.

Imagem 4: Igreja Matriz de São Sebastião - Ipu, 10/09/2017 (Arquivo do autor)


Imagem 5: Igreja Matriz de N. Sra. da Conceição - Ipueiras, 13/11/2015 (Arquivo do autor)

O famoso Pe. Rebouças e a maldição

A tradição popular registra ainda um fato desventurado, contudo que teve lugar depois da extinção da freguesia, quando a Matriz já se tornara capela subordinada à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Ipueiras. Trata-se da tentativa de assassinato do Pe. Rebouças na Matriz de São Gonçalo. Sobre este fato, até agora só a memória popular nos auxilia. O fato é que o Pe. Irineu Modesto de Oliveira Rebouças esteve como Vigário de Ipueiras de 28 de abril de 1894 a novembro de 1900, tendo vindo do ofício de Vigário de Coreaú. Entretanto não deixou nada registrado no livro de Tombo da Paróquia. Despediu-se de Ipueiras por meio do jornal A Cidade, edição de de 06 de outubro de 1900, onde se acha escrito: “Partindo para Belém, em cuja diocese vou fixar minha residência, não me foi facultado pela presteza da minha viagem despedir-me pessoalmente de todos os parocheanos e amigos, o que peço desculpas por meio da imprensa oferecendo a todos os meus limitados préstimos. Ipueiras, 18 de setembro de 1900. Irineu Modesto d’Oliveira Rebouças”. Este sacerdote nascido no Ceará em 21 de setembro de 1867 veio a falecer no Amazonas em 18 de julho de 1932.

Ao que parece, a maldição lançada sobre a família do agressor do padre também era extensiva à localidade, fato que leva as pessoas a justificarem o progresso lento daquele distrito na atualidade. Isto justifica também o fechamento de seis portas laterais na nave da Igreja, que seria para facilitar ao padre a visão de quem entrava na mesma, evitando novo ataque.

Imagem 6: Capela de São Gonçalo, 02/11/2013 (Arquivo do autor)


Imagem 7: Placa do bicentenário da Freguesia, 02/11/2013 (Arquivo do autor)

No ano de 2016, em 14 de fevereiro, por ocasião da Abertura da Porta e do Ano Santo da Misericórdia na Capela de São Gonçalo, ao final da homilia da Celebração Eucarística presidida por D. Ailton Menegussi, Bispo Diocesano de Crateús, o epíscopo proferiu perante toda a assembleia presente a quebra da maldição. Naquela mesma noite foi aberta ao público a Porta Santa, justamente uma das seis que havia sido fechada de tijolos anteriormente. Alguns moradores atestam que foi daquele local que partiu o tiro que feriu o padre.

Aquela velha Capela guarda ainda muitas outras histórias que nem sequer sabemos. Quantos sacramentos ali celebrados? Quantas vidas cristãs que ali tiveram início ou fim? Nestas poucas linhas temos consciência de que fizemos o esforço de registrar apenas uma breve introdução. Por fim, falar da Matriz de São Gonçalo é também um convite a conhecê-la ou a contemplá-la mais uma vez. O clima ameno da serra abraça os visitantes. Aqui fica o nosso convite!


FONTES:
Jornal A Cidade. Ed. 06 de outubro de 1900. Disponível em: http://memoria.bn.br/. Acesso em: ago./2018.
Biografia do Pe. Corrêa. Disponível em: http://professorfranciscomello.blogspot.com/2010/06/biografia-pe-correa.html. Acesso em: ago./2018.
Biografia do Pe. João José de Castro. Disponível em: http://professorfranciscomello.blogspot.com/2010/08/biografia-do-padre-joao-jose-de-castro.html. Acesso em: jul./2018.
Livro de Tombo da Paróquia de Ipueiras, nº 1. Vigários de São Gonçalo. Ipueiras, 1933.
Livro de Tombo da Paróquia de Ipueiras, nº 6. Abertura da Porta Santa em Matriz de São Gonçalo, 2016.
São Gonçalo da Serra dos Cocos. Disponível em: https://professorfranciscomello.blogspot.com/2010/07/sao-goncalo-da-serra-dos-cocos.html. Acesso em: ago./2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ. Os clérigos católicos na Assembleia Provincial do Ceará (1834-1889). Fortaleza: INESP, 2008.

COSTA, Ailton Sampaio da; FARIAS, Gerlene Maria Moreira (Orgs.). América: nossa terra e nossa gente. Sobral: Sertão Cult, 2016.

FROTA, Dom José Tupinambá da. História de Sobral. 3ª Ed. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1995.



Marcos Augusto de Freitas Costa
Licenciado em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Agente de Pastoral na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Ipueiras/CE.

3 comentários:

  1. Incrível! Estou estudando a história de Tamboril e me deparei com sua postagem.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. No livro de Sadoc sobre tem falando sobre esse tema.

    ResponderExcluir