sexta-feira, 8 de março de 2019

SOU FELIZ PORQUE NECESSITO DE TÃO POUCO



É preciso sair da floresta do consumismo com os próprios pés, e não porque os outros nos obrigam a sair

Frei Patrício Sciadini, OCD
Fiz uma pequena viagem à Espanha e Itália, na busca de ajuda para nossas obras no Egito. Temos dois hospitais e uma pequena escola – é a única maneira, neste país, para poder evangelizar e fazer o bem, dando assim testemunho do nosso ser cristão.

Mas as nossas obras devem ser as melhores. Os pobres merecem o melhor; seja no atendimento, seja na acolhida, devem sentir em todos os momentos que os amamos de verdade. Aos pobres não se pode jamais dar o que não serve, o que é supérfluo, mas aquilo que nos faz falta.

Quando damos com amor nada nos faz falta, tudo sobra. Assim é Deus conosco: ele doa e nunca lhe faz falta o que doa. Perdi a minha mala e fiquei sem nada. E me senti feliz em poder experimentar que é necessário tão pouco para ser feliz. Uma camisa emprestada, uma calça dada por alguém que tem meu tamanho, um sabonete sempre se encontra e, visto que tenho barba, não necessito de gilete.

Nesta situação, dá pra meditar e encontrei o segredo da felicidade. Queria compartilhar com os meus vinte e cinco leitores este segredo, e pode ser que eles não concordem comigo e, que digam besteiras, mas sei que serei perdoado.

Hoje nós somos dominados pela economia, pelo ter sempre mais e mais. E isto nos dá uma ânsia terrível. Quando nos falta alguma coisa, nos encontramos como perdidos, sem saber o que fazer. A felicidade consiste em saber viver não procurando ganhar sempre mais, nem trabalhar sempre para poder gastar mais. Trabalhar mais para comprar mais, e por aí vai. É um círculo, que não sei se é vicioso, mas que nos estrangula e sufoca de todo lado. Perdemos a liberdade de contentar-nos com o pouco que é suficiente.

Para que ter vários pares de sapato quando nunca é possível usá-los ao mesmo tempo, porque temos somente dois pés? Para que ter vinte canetas quando se escreve com uma só? E para que desejar três telefones celulares quando se usa um por vez?

É preciso sair desta floresta do consumismo com os próprios pés, e não porque os outros nos obrigam a sair. Somente assim podemos compreender o texto do Evangelho. Meditei bastante o texto do Evangelho de Mateus 6, 28: “Olhai os lírios do campo e as aves do céu..., não semeiam, não fiam, não tecem, o Pai cuida deles”.

Jesus veio para nos ensinar uma coisa simples, transparente: não acumulem tesouros sobre a terra, que a ferrugem pode corroer; é para acumular tesouros no céu, onda a ferrugem não chega. Passei um tempo na escuta dos outros, dando espaço às palavras, e vendo com os olhos do coração o mundo ao meu redor, e compreendi que a infelicidade não está em não ter, mas em ter demasiado. Se cada um tomar consciência do necessário e repartir com os que não têm, encontrará a felicidade.

Dizia-me uma pessoa: “Estou feliz porque agora trabalho meio período”. E eu respondi: “Quem bom! Assim você pode descansar”. Ele me respondeu: “Descansar nada! Assim posso ter outro trabalho e ganhar mais para comprar mais coisas”. Moral da história: era feliz porque trabalharia mais.

Sou feliz porque me esforço cada dia em poder viver com pouco e ver se ajudo os outros a terem o pouco necessário para serem felizes. Por isso decidi não dar coisas inúteis de presente, mas somente coisas úteis, e que vejo que eles não têm. Só através da nova cultura de quem diz “não” ao luxo, ao supérfluo, e diz “sim” somente ao necessário, podemos encontrar a comunhão da felicidade e da alegria.

Penso na casa de Nazaré, onde havia pouco de coisas, mas havia muito de Deus e de felicidade.


Fonte: Jornal O Lutador, Ed. nº 3848 – 1 a 10 de setembro de 2014